quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas, de Robert M. Pirsig


A viagem pelas estradas a perder a vista dos Estados Unidos da América tornou-se um arquétipo, pelo menos a partir de On the Road, de Jack Kerouac e do filme Easy Rider. Neste romance ela é empreendida por um pai e o seu filho -, pilotos que preferem as estradas secundárias às auto-estradas, completamente expostos ao ambiente -, e transforma-se numa odisséia pessoal e filosófica e num mergulhar até as raízes da arte de viver. Ao introduzir questões filosóficas elaboradas, de uma forma que se torna deveras acessível e apelativa para o leitor comum, Pirsig cria uma filosofia prática, assente no bom senso e na intuição tanto como na racionalidade, baseada num novo valor a que chamou "qualidade". Ambiciona igualmente, por essa via, constituir uma ponte possível entre pensamento ocidental e Oriente. O cuidar atento e empenhado dispensado por este aventureiro das vastas extensões americanas à sua motocicleta é a metáfora para uma tentativa de valorizar a tecnologia no nosso mundo, onde Buda existe tão perfeitamente nos circuitos digitais de um computador como nas pétalas de uma flor. O segredo reside na atitude. Uma obra polêmica que desde a sua primeira edição não deixou de inspirar milhões de pessoas em todo o mundo até hoje. (Orelha de apresentação da edição portuguesa).

É interessante que sabiam que este livro atingiu o recorde do Guinness ao ser recusado por 121 editoras?! Pois é...

Vamos por partes: este livro tem todos os ingredientes para ser o maior mico do meio literário. Só fala de filosofia (SÓ), é muito difícil de ler (é daqueles livros que nos acompanha ou adormecido na mesa de cabeceira durante muito tempo) e é grande. Aposto que as massas olham para este livro de lado.

No entanto, depois de editado, tornou-se um best-seller... Daqueles que ocupam lugares marcantes! Por quê?

Este livro foi uma indicação da estimada amiga Jasete, poeta paranaense de muita qualidade. Aliás, foi um bom conselho e acho que valeu a pena toda a análise. Porque este é daqueles livros para ir lendo aos poucos e estudando, interpretando, nem que seja por meia hora e só dê para duas páginas. Porque é um livro que nos obriga a pensar.

Achei uma boa sugestão e foi uma ótima leitura. Primeiro, porque é diferente: o fato de ser um livro filosófico muda um pouco os meus hábitos de leitura; fala-nos de uma viagem pelos EUA, pai e filho na sua motocicleta (e o que poderia acrescentar beleza a este romance mais do que uma viagem de motocicleta?); as personagens estão muito bem postas, aliás, todo o livro está muito bem posto.

Maravilhosamente, o autor conecta a filosofia com as personagens, o que torna essa busca filosófica uma espécie de thriller. Trata-se de perseguir fantasmas (cuja definição perceberão ao ler o livro), fantasmas que definem a filosofia e a nossa maneira de viver! Em vez de a personagem ir de Paris a Londres, percorre os caminhos da mente e de toda a maneira de pensar, embrenhando-se em conceitos filosóficos que se tornam compreensíveis pelo leitor através das metáforas e comparações utilizadas. Aliás, o próprio título (que à primeira vista pode parecer estranho) é uma metáfora, como explica o resumo do livro.

Tornar a filosofia em algo que se transforme em uma cruzada, uma busca pelo verdadeiro sentido, nos faz pensar e nos libertar. Depois, o autor unifica a estes fatos as personagens, principalmente o narrador e Fedro, revelando uma única personagem de personalidade múltipla. Esta conexão e esta dualidade numa única pessoa tornam o livro interessantíssimo.

O fim... Bem, adorei o fim, porque simboliza tudo, porque é tão fácil perceber qual é a mensagem. E é muito bonito, sem dúvida, embora o preâmbulo do autor, logo nas primeiras páginas, esteja mal posicionado (uma vez que revela grande parte da conclusão e da interpretação do livro!).

Concluindo, gostei e aconselho. Não é um livro fácil de ler, não senhor, mas está muito bem criado e muito, muito interessante. Ensina-nos a descascar uma laranja como se estivéssemos a dirigir uma orquestra!

É daqueles desafios para o leitor que, ao chegar ao fim, sente-se diferente e sente essa viagem que empreendeu. Leiam com muita atenção, agora com as férias poderão dedicar o tempo a este livro, porque eu acho que vale muito a pena!