terça-feira, 25 de agosto de 2009

Sem terra é executado com tiro nas costas pela polícia gaúcha


PORTO ALEGRE - O sem terra Elton Brum da Silva foi morto na manhã desta sexta-feira (21) em São Gabriel, no Rio Grande do Sul, com um tiro pelas costas, desferido por uma espingarda calibre 12 durante desocupação, pela Brigada Militar (a Polícia Militar gaúcha), da Fazenda Southall. O assassinato ocorreu por volta das 8 horas da manhã. Elton deu entrada no hospital quase duas horas depois. O MST, em nota oficial, lamentou com pesar o ocorrido e responsabilizou o governo Yeda Crusius (PSDB), o Ministério Público do RS e a Justiça. Não é a primeira vez que a Brigada Militar usa de truculência durante reintegrações de posse, aliás, a violência contra os movimentos sociais instaurada desde o início do Governo Yeda denota opção clara por tratar as questões sociais, como a Reforma Agrária, como caso de polícia.

“Eu não tava próximo tão próximo no momento dos tiros porque a gente se dividiu em dois grupos. Quando Elton foi atingido, ele estava na frente da trincheira e a cavalaria da Brigada entrou por trás, eram cerca de 80 deles, com espadas. A ação foi muito violenta, tem companheiro nosso com a perna cortada por espada. Quando eu ouvi os disparos, a gente tentou ver o que tinha acontecido, mas foi formado um cordão ao redor pelo batalhão. Nós não podíamos nem abrir os olhos, todos no chão, e eles continuavam batendo. Isso durou uns vinte minutos. Bombas de gás foram jogadas nas crianças, que estavam em grupo que tentávamos proteger. Depois que tudo acalmou, deixaram que nós entrássemos de 10 em 10 pessoas para recolher colchões e coisas do gênero. Foi aí que vimos que, onde aconteceram os tiros, havia uma lona preta, com muito sangue embaixo”.

O relato é de Rodrigo Escobar, militante do MST, que esteve na ação em São Gabriel. Na conversa por telefone com Carta Maior, Escobar contou que muitas crianças foram levadas ao hospital e que os números de feridos divulgados pela imprensa durante o dia não são nem uma pequena amostra do que aconteceu na Fazenda Southall. Além disso, relatou que o comando da ação movida pela Brigada era confuso, e que nem os próprios oficiais presentes se entendiam. “Enquanto uns mandavam ir pra cima, outros diziam para recuar”, disse. Quase duas horas depois, Brum chegou sem vida ao Hospital Santa Casa de Caridade, por volta das 9h40min da manhã. Uma mulher e uma criança também ficaram feridas no confronto, provavelmente com estilhaços do disparo que atingiu o militante.

Nas primeiras horas da manhã, as informações repassadas à imprensa pela Brigada Militar atribuíam a morte de Brum a um mal súbito. O assassinato só foi confirmado na metade da manhã. O ex-ouvidor agrário do Governo Yeda e também ex-ouvidor da Segurança Pública, Adão Paiani, disse que o sem-terra Brum foi morto pela Brigada Militar. Paiani relatou que foi procurado, na condição de ex-ouvidor da segurança pública, por um oficial da BM que assistiu à desocupação da fazenda. Esse oficial teria relatado que o manifestante foi morto durante discussão com um oficial da BM que atua na região da Fronteira. Brum teria dito alguns palavrões para o oficial, que revidou com um tiro de espingarda. O próprio oficial e alguns soldados teriam providenciado a remoção de Brum, ainda vivo, para o hospital de São Gabriel, numa viatura da BM. Ele não portava arma de fogo.

"Extremamente profissional"
Lisiane Vilagrande, promotora de São Gabriel, acompanhou a ação da Brigada durante a desocupação desde as 5h da manhã desta sexta-feira. Segundo ela, a ação “foi extremamente profissional. Em momento nenhum eu senti alguma tensão ou nervosismo por parte dos policias militares que executavam a ação. Foi tudo muito rápido”. No entanto, a promotora não soube precisar a que distância acompanhou a ação. “Fiquei a uma distância razoável, em um ponto mais alto. Nós tínhamos uma visão, mas relativamente limitada. E, além disso, acho que para minha própria segurança, o coronel me manteve a uma distância adequada. Eu estava mais próxima do que a imprensa, mas eu estava bem distante do acampamento em si”. A promotora apenas admitiu ter escutado tiros, e também testemunhou o uso de bombas de efeito moral, de som e de gás lacrimogêneo.

O ouvidor agrário do Ministério Desenvolvimento Agrário (MDA), Gercino Silva, saiu de Brasília no início da tarde rumo ao Rio Grande do Sul. Gercino esteve diversas vezes no Rio Grande do Sul, inclusive na época em que era discutida a desapropriação da Fazenda Southall. A avaliação dele ainda é aguardada. Para o presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH), da Assembléia Legislativa do RS, deputado Dionilso Marcon (PT) “é de conhecimento público a truculência usada pela Brigada Militar nas ações de despejo. Mesmo assim, os poderes públicos optam por tratar as questões sociais, como a reforma agrária, como caso de polícia. Dias atrás a Brigada Militar já usou métodos de tortura física para inibir manifestações dos trabalhadores rurais no município de São Gabriel”.

No final da tarde, o MST divulgou duas fotos do corpo de Elton Brum com perfurações nas costas, comprovando que foi baleado por trás, com uma espingarda calibre 12.

MST responsabiliza Yeda, MP e Judiciário pela morte de sem terra

Em nota oficial, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra denuncia a truculência polícia e responsabiliza o governo Yeda Crusius (PSDB), o Ministério Público Estadual e o Poder Judiciário pelos acontecimentos de São Gabriel, que resultaram na morte de Elton Brum com um tiro de espingarda calibre 12 pelas costas. "Denunciamos a Governadora Yeda Crusius, hierarquicamente comandante da Brigada Militar, responsável por uma política de criminalização dos movimentos sociais e de violência contra os trabalhadores urbanos e rurais".

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) divulgou nota pública sobre o assassinato de Elton Brum pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul: A nota denuncia a truculência polícia e responsabiliza o governo Yeda Crusius (PSDB), o Ministério Público Estadual e o Poder Judiciário pelos acontecimentos de São Gabriel:

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra vem a público, manifestar novamente seu pesar pela perda do companheiro Elton Brum, manifestar sua solidariedade à família e para:

1. Denunciar mais uma ação truculenta e violenta da Brigada Militar do Rio Grande do Sul que resultou no assassinato do agricultor Elton Brum, 44 anos, pai de dois filhos, natural de Canguçu, durante o despejo da ocupação da Fazenda Southall em São Gabriel. As informações sobre o despejo apontam que Brum foi assassinado quando a situação já encontrava-se controlada e sem resistência. Há indícios de que tenha sido assassinado pelas costas.

2. Denunciar que além da morte do trabalhador sem terra, a ação resultou ainda em dezenas de feridos, incluindo mulheres e crianças, com ferimentos de estilhaços, espadas e mordidas de cães.

3. Denunciamos a Governadora Yeda Crusius, hierarquicamente comandante da Brigada Militar, responsável por uma política de criminalização dos movimentos sociais e de violência contra os trabalhadores urbanos e rurais. O uso de armas de fogo no tratamento dos movimentos sociais revela que a violência é parte da política deste Estado. A criminalização não é uma exceção, mas regra e necessidade de um governo impopular e a serviço de interesses obscuros, para manter-se no poder pela força.

4. Denunciamos o Coronel Lauro Binsfield, Comandante da Brigada Militar, cujo histórico inclui outras ações de descontrole, truculência e violência contra os trabalhadores, como no 8 de março de 2008, quando repetiu os mesmos métodos contra as mulheres da Via Campesina.

5. Denunciamos o Poder Judiciário que impediu a desapropriação e a emissão de posse da Fazenda Antoniasi, onde Elton Brum seria assentado. Sua vida teria sido poupada se o Poder Judiciário estivesse a serviço da Constituição Federal e não de interesses oligárquicos locais.

6. Denunciamos o Ministério Público Estadual de São Gabriel que se omitiu quando as famílias assentadas exigiam a liberação de recursos já disponíveis para a construção da escola de 350 famílias, que agora perderão o ano letivo, e para a saúde, que já custou a vida de três crianças. O mesmo MPE se omitiu no momento da ação, diante da violência a qual foi testemunha no local. E agora vem público elogiar ação da Brigada Militar como profissional.

7. Relembrar à sociedade brasileira que os movimentos sociais do campo tem denunciado há mais de um ano a política de criminalização do Governo Yeda Crusius à Comissão de Direitos Humanos do Senado, à Secretaria Especial de Direitos Humanos, à Ouvidoria Agrária e à Organização dos Estados Americanos. A omissão das autoridades e o desrespeito da Governadora à qualquer instituição e a democracia resultaram hoje em uma vítima fatal.

8. Reafirmar que seguiremos exigindo o assentamento de todas as famílias acampadas no Rio Grande do Sul e as condições de infra-estrutura para a implantação dos assentamentos de São Gabriel.

Exigimos Justiça e Punição aos Culpados!

Por nossos mortos, nem um minuto de silêncio. Toda uma vida de luta!

Reforma Agrária, por justiça social e soberania popular!